quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Cinema: Antichrist !




O desdém por aquilo que existe, de uma forma (quase) universal, é sempre problemático, mas se o titulo do mais recente filme de Lars Von Trier vem do nome do livre de Nietzsche o Anticristo, tal facto suporta com maior fervor essa ideia de que, apesar de esse desdém (quase) universal ser problemático, acaba por vezes (tal como acontece no próprio Nietzsche, mesmo que tantas vezes fale sem fundamento, por outras consegue apontar sérios problemas e traços que deviam receber uma outra atenção, mesmo que a causa inicial que despertou tal reparo seja, enfim, esse desdém) dar o seu melhor fruto, o encontro daquilo que há de pior no outro, e Lars Van Trier consegue-o, e o outro é relatado no seu maior esplendor: na brutalidade que o caracteriza, em todas as formas e vias, acima de tudo, essa realidade traduzida em imagem em movimento, tão realista quanto possível.

A maior arte de Von Trier encontra-se naquilo que se poderá considerar a mensagem de Anticristo, e curiosa, ou ironicamente, é aquela que mais tem sido ou mal interpretada ou não interpretada de todo, poucos tem sido os críticos, e publico em geral que tem filtrado aquilo que Von Trier poderá querer dizer, uma vez que das duas uma, ou consideram o filme como chocante ou horrível de todo pelo seu material de maior desconforto ou então como "a film best viewd with reason switched off", quando, este é talvez um dos melhores filmes em que o realizador manifestou o campo do simbólico ou no que toca a uma moral, como exemplo, a raposa que fala que tanto provocou gargalhadas e motivos de galhofa por parte do publico, mas que existe puramente como parte do simbolismo do realizador, continuando na raposa, que esta sirva o gosto de cada um, que se riem ou não, mas não há como refutar que é linear a linha que o realizador começa a traçar desde o inicio do filme, desde aquele todo luto atípico à sua consequência última tipicamente medieval, e é aqui que queria chegar. Este estado atípico, que desencadeia toda a brutal (no seu sentido literal) narrativa, encontra a sua maior ironia quando um luto que é atípico provoca à primeira vista um conjunto de acções e situações que não o são menos atípicas, a verdade é que olhando para os o mundo não cinematográfico, para os títulos de qualquer jornal ou telejornal, seja ele qual for, e o anticristo de Lars Von Trier deixa de parecer tão grotesco, claro que aqui entramos na zona do deserto do real como diria Slavok Zizek, e a verdade é que tantos títulos, disso do grotesco, que tem passado por nós ao longo dos anos (cada vez mais e cada vez com mais regularidade, o que faz surgir a questão, ou estão os media mais dedicados ao assunto ou o próprio assunto se tornou mais popular entre as nossas gentes modernas?) que tal grotesco, tal estado de desconforto passa a ser normal, isto é, pelo menos enquanto este se passa nas letras gordas do jornal, mas Von trier através de algum do expressionismo que caracteriza anticristo, apresenta-nos aquele desconforto que por norma só nos é dado a pensar enquanto algo de outra realidade que não a nossa que é essa do jornal, da televisão e da noticia do outro que não nós, em Anticristo, o desconforto é oferecido na primeira pessoa, tanto psicologicamente como fisicamente e aí encontra-se a poética do realizador e aquela que está a ficar distorcida por se apresentar de uma forma não tão agradável como gostaríamos, assim, em vez de ser lida a narrativa (por tantos considerada confusa) do realizador, é tomada como grotesco se não ridicularizada e como sensacional e com o único mote de proporcionar choque, uma das leituras possíveis, e aquela que pouco tem sido tomada em conta, é que esse grotesco é o culminar do realismo que é Anticristo, o relatar do movimento social moderno, que acima de tudo é isso mesmo, brutalidade traduzida nas suas mais diversas formas, sejam estas emocionais, morais ou económicas, não estou aqui a apontar Anticristo como outro filme de George A. Romero e o seu papel de metáfora enquanto critica à sociedade, não julgo que seja esse o objectivo de Von Trier, mas sim a apresentação de um conto de algo que existe, de algo que pertence no seu todo ao campo do possível, e que se há algo que existe em Anticristo é racionalidade, uma causa efeito de seres que reagem e protegem as suas carências e complexos através da psicose ultima que é essa que é conduzida pelo desespero. Um caso onde os extremos acontecem, e se há algo que se pode afirmar dos dias que correm é que estamos numa era de extremos, por isso mesmo, o choque de Anticristo não é uma peça que necessita de um filtro mas talvez uma chamada de atenção para o filtro para o grotesco que nos circunda.

Para concluir, Mastepiece ou mais uma película de violência gratuita? que se deixe a subjectividade de cada um falar, mas que se tenha em conta que se tomarmos o choque de Anticristo como gratuito, muito mais desta forma moderna de ser deveria ser repensada, caso contrário, a excelência com que o conto de Von Trier se apresenta dá provas que este seja um dos seus maiores produtos artísticos, do som, à imagem, a eloquência e coerência de planos que dão transcendem muito do que têm saído no grande ecrã, muito possivelmente um dos filmes do ano, seja este para uma minoria como dizem uns, seja este, apenas um produto da perversão do realizador dinamarquês.

http://www.imdb.com/title/tt0870984/

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Música: Pucarinho!





O acústico de agora que conta as historias de ontem e de amanhã!

Hoje descobri Pucarinho, e com essa descoberta um alento que não encontrava desde há algum tempo, patriotismos à parte, mas isto de termos cultura, de poder explorar o ser português, à muito que vinha a cair na dúvida no que toca à sua produtividade, hoje mostraram-me que ainda há mais (desculpem-me a expressão, mas porra, há sempre mais!), muito mais a explorar. Primeiro os trovadores de Abril, depois a Banda do Casaco, e hoje: Pucarinho!

Mas não coloquemos Pucarinho apenas como um anão aos ombros desses gigantes outros que cantaram aquilo que nos marca a nós povo descendente de Camões, e não ficaremos demasiado presos ao ser Português, porque até nisso Pucarinho se sabe colocar, mas comecemos do início:

Segundo consta, de amigo que conta a amigo, Pucarinho, ou melhor, Luís Pucarinho, enfiou-se em casa, deixa crescer a barba e com uma mão cheia de amigos que têm em comum música no nome, gravam uma outra mão cheia de excertos que agradam ao ouvido: mesmo ao lado da praça do giraldo, para quem não o sabe, (eu também não o sabia), coração de Évora! Para uns tantos transeuntes e outros que lá estavam por vontade própria, o "Paloma's Spot" é o terraço que presencia a estreia de Pucarinho (Pucarinho que já em outros tempos fora conhecido por um outro excelente projecto http://www.myspace.com/sonsdecamusica Sons de Cá). E assim o árido Alentejo projecta a vontade e as histórias que já cá faltavam ser cantadas, porque os que as contam por aqui, ora ficaram para lá ontem ou então falam de depois e se esquecem que existiu realmente um ontem, e os que restam cedem com facilidade a isso que é uma conversa de novela e de futebol; Pucarinho ergue-se então como um conjunto de rapaziada que trata o folk, o blues, o jazz, isso da música erudita, tudo no mesmo molho de equações musicais, com uma eloquência e simplicidade que surpreende o velho e levita o novo, por uma simples razão, algo que nos é, a todos, o português, o francês, o miúdo do circo ou o empresário do saldanha, que nos é, incrivelmente familiar, e refrescante para os que pensam e os que só querem bailar, meus caros, é com grande gosto que encontro no mesmo molde os trovadores, os da crítica, os do povo, os da valsa e aqueles que sabem fazer musica como gente grande.

A sua formação encontra André Penas na viola de arco, Daniel Meliço na bateria, Luís Pucarinho na Guitarra Clássica e voz, José Silva no Trombone Baixo e Zeps na Guitarra Folk, a acrescentar um timbre que dá gosto receber em casa pela voz de Luis Pucarinho, e uns fraseados no que toca ao sopro e à viola de arco que ora nos lembram que o século XXI já cá está há algum tempo, ora acompanham as excelentes letras num ênfase ao conteúdo nada ingénuo das palavras de Pucarinho. Que mais dizer? O ep está a chegar (com a colaboração de músicos como Afonso Castanheira no contrabaixo e Francisco Andrade no Saxofone Tenor) e é acompanhar o myspace para saber das noticias, entretanto, ora que se vá para a calçada da rua escutar as pombas ao som de Luís e os seus companheiros, que se arme a mesa para o vinho e o jornal e se bata o pé enquanto se cruza a perna, ou então que se dance, porque, Pucarinho oferece bastantes motivos para dançar!


http://www.myspace.com/pucarinho

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Música: Gabriel Ferrandini





O Jazz nos dias que correm apresenta-se em várias formas, umas mais melosas ou outras cheias de ritmos e acentuações, por vezes traduz-se em décadas de metamorfoses ou na historia da musica e do homem, e por outras, nem quer dizer nada. O Jazz, "esse desconhecido", surge-nos durante todo o mês de Fevereiro, num festival bem peculiar ( improvisivel ), de uma forma que o torna menos desconhecido e dá-se a conhecer, para quem assim o (quiser) entender. E entre polémicas, controvérsias, maus olhados e criticas mais ou menos construtivas a esse jazz tão desconhecido, o festival Improvisível traz a Lisboa o difícil de entender para tantos de uma forma bastante saudável: sem exageros e num ambiente caseiro quanto baste (afinal de contas, quem não quer assistir ao jazz rodeado de cds e vinys com alguns dos grandes nomes desse mesmo modo de fazer música?), saliento o exagero por, tantas vezes o experimental, o free jazz, o jazz sem barreiras, o jazz sem conteúdo ( já o vi com tanta roupagem e já lhe deram tanto nome, que, enfim), esse jazz todo que é uma miscelânea musical concentrada num único momento, é apresentado pelo festival Improvisivel de uma forma modesta, dando tempo de antena a cada um dos dois intervenientes da dita noite, e depois a oportunidade de estes se fundirem num duo para findar o concerto. Por um lado temos o facto de serem na sua maioria (julgo) solos e duos praticamente únicos, quem sabe alguns tomarão o gosto e ainda o fazem acontecer de novo; e por outro, o facto de mostrar alguns promissores nomes que não são tão conhecidos como merecem (mesmo que este assunto seja discutível.)

O primeiro dia do festival contou com a presença de Nuno Moita (responsável pela parte electrónica) e Gabriel Ferrandini ( percussão e bateria), ora a razão pela qual estou a estender este texto que seria mais que suficiente enquanto valorização da iniciativa no que toca ao festival, é pura e simplesmente pela surpresa que foi encontrar o monstro que acabou por se mostrar Gabriel Ferrandini. Mas comecemos pelo inicio, primeiro Nuno Moita ofereceu-nos uma viagem, talvez um pouco sóbria em demasia (e porque admito, ainda tenho alguma dificuldade em assistir a um homem atrás do laptop, imóvel, mas é ultrapassável), e não tanto poderosa quanto esperava no que toca ao contraste sonoro e ao potencial que um laptop consegue concentrar em si mesmo, mas isto que não o seja visto negativamente, sinceramente esperava algo mais brusco e acabou por ser um discurso lento mas suficientemente cuidado para embalar a audiência num transe saudável que é aquele de estarmos a ouvir e a sentir que a consciência do que quer que seja, deixa de se sentir, para simplesmente sermos arrastados por aquele fluir de sonoridades que não fazem de todo parte do nosso dia à dia e que ao mesmo tempo se tornam tão familiares. A grande surpresa encontrou-se em Gabriel Ferrandini: sejamos sinceros, a bateria, a percussão, por ser um instrumento(s) de ritmo, pode cair facilmente no caótico, num caótico em demasia. E se esse experimentalismo, que caracteriza o improviso e a ambiência do festival (e isto porque a forma do festival é facilmente identificada com a forma de fazer musica que é o jazz moderno, o jazz livre, o típico conhecido em praça publica como 'o cada um para o seu lado'), é muita das vezes visto como uma desconstrução, um ir contra a maré daquilo que o ouvido espera, Ferrandini surpreende, e no seu solo (e depois no duo com Moita) não só pela estonteante técnica e originalidade, como por uma eloquência que poucas vezes tive a oportunidade de assistir num outro instrumento qualquer mais dado às linhas melódicas. Não só se sentiu que Gabriel estava ali para nos dizer algo, como se sentiu, o seu inicio, o seu teor e o seu fim, passado por interlúdios vários marcados ora por uma agressividade que caminhava de mãos dadas a um brutal controlo de si e do instrumento, como a originalidade de ideias e a forma de as pôr em prática que transcendeu qualquer expectativa. Um nome que com toda a certeza se falará bastante, muito em breve. Não admira que o jovem baterista, aos 23 anos já acompanhe por exemplo o Motim Trio do grande (mas poucas vezes respeitado ou admirado cá dentro neste nosso portugal) Rodrigo Amado.

Bem hajam os jovens músicos, e que mais vezes nos dêem a conhecer esse desconhecido que é o jazz.

http://www.myspace.com/gferrandini

Festivais: Improvisivel II ! Solos & Duos



"Na sua segunda edição, o ciclo Improvisível volta à Trem Azul Jazz Store, em Lisboa, para propôr durante as quintas-feiras do mês de Fevereiro uma série de solos protagonizados por músicos que nunca, ou raramente, tentaram a fórmula antes. Aos solos somam-se duos em que os conceitos e as práticas de cada um se colocam “em relação”. Os motes são a improvisação total e a imprevisibilidade das combinatórias."

4, 11, 18 e 25 de Fevereiro 2010 / 19:30
Trem Azul Jazz Store
5 € / dia

.4 de Fevereiro

Nuno Moita
(electrónica)
Gabriel Ferrandini
(bateria, percussão)


.11 de Fevereiro

Pedro Lopes
(gira-discos, electrónica)
Genoveva Faísca
(voz)



.18 de Fevereiro

Ulrich Mitzlaff
(violoncelo)
Nuno Torres
(saxofone alto)



.25 de Fevereiro

Luís Lopes
(guitarra electrica)
Flak
(guitarra eléctrica)


Co-produção: Granular com Gabriel Ferrandini e Pedro Lopes
Apoio: Trem Azul

http://www.tremazul.com/content/improvisivel-ii-solos-duos