quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Teatro: A Mãe, de Brecht





A mãe pode ter muitos nomes, a mãe pode ter muitas caras e pode também fazer muito por nós, ou nós por ela. Em Brecht, a mãe tem a critica social entregue pelos olhos de quem a vê. A mãe tem o nome da mãe Rússia, tem o nome da revolução, tem o nome da luta, tem o nome do todo que faz a luta, tem o nome dos operários, dos actores, dos encenadores, tem o nome do público. A mãe transporta-nos para o mundo utópico onde durante o tempo em que decorre a peça, todos nós, sem excepção, nos encontra-mos e fundimo-nos com a impossibilidade do todo possível que representa a Mãe.

Joaquim Benite é o nome que está por de traz da enorme produção que é A Mãe, enorme num único sentido, a sobriedade com que a peça se apresenta, concretiza-se num trabalho bem talhado, não tendencioso, em que através de uma incrível simplicidade, do som ao cenário, é eficaz em todos os campos que se propõe alcançar desde o primeiro segundo da peça.

Há três pontos que alcançam alguma excelência, a musicalidade, a mensagem, e a obvia excelente prestação dos actores. A musicalidade, está suficiente, e isso é um óptimo valor, uma vez que não se perde em arranjos demasiado elaborados, mas sim de uma forma concisa acompanha a narrativa sempre que a música é necessária, com a ambiência quente e dançável russa a contrastar com a frieza e seriedade do toque marchante que a cobre, numa boa interpretação por acordeão, trompete e tarola. As músicas cantadas, tirando uma ou outra vez em que se nota que as vozes se conhecem como interpretes e não como tenores ou sopranos, também não entra em exageros e consegue sempre dar o toque final necessário e suficiente, suave e eficaz, a toda uma linha de raciocínio que vinha a ser construída anteriormente. Isto leva-nos possivelmente ao factor mais importante de toda a peça, a mensagem.
Bertolt Brecht escreve a peça Die Mutter em 1931, infelizmente só em 1951 é que viria a dirigi-la dado ao seu exílio politico, com isto, a sua relação politica é mais que obvia e também o é o seu conhecimento do escritor e activista russo Máximo Gorki. E Die Mutter, A Mãe, não é nada mais nada menos que o observar do caminho ideológico que defende o operário, visto na primeira pessoa, apelando à clareza dos factos, e de quem a assiste. Há duas coisas a apontar ao texto de Bretch e à própria interpretação pela companhia de teatro de Almada (e da, entre grandes outros, incansável Teresa Gafeira): por um lado não há dramatismos exagerados (como já mencionara antes, a peça caracteriza-se por uma enorme sobriedade, que lhe assenta na perfeição), a peça está longe de fugir para o sensacionalismo para conseguir a atenção de quem a assiste, muito antes pelo contrário. Tal como não tem dramatismos em demasia, em altura alguma é tendenciosa, esta combinação, resulta numa abordagem (tantas vezes, fazendo lembrar os famosos diálogos Socráticos) que ao mesmo tempo que dá o todo o à vontade para o público se identificar ou não com as personagens e por aquilo que estas sofrem ou deixam de sofrer, dá a oportunidade de assistir ao construir do caminho ideológico, com os seus prós e contras, e essa mesma ideologia a nú de e para quem a se deixa estar disponível para a analisar e posteriormente, caso ache que o deve, como acontece com a mãe que a acaba por aceita-le e dedicar a vida a essa mesma ideologia, defensora dos seus direitos, através do motor não das maquinas, mas sim daquele que faz toda a narrativa se desenvolver, a razão.

A Mãe transporta-nos para uma analise social com um século de existência que se adequa sem qualquer falha aos dias de hoje. Para todos os que não a conhecem, ou que julgam conhecer, o estado da Rússia no inicio do século XX, na perspectiva de quem a viveu realmente. Um apelo não a um clube, mas à razão, à clareza e aos direitos a que todos os seres têm, realmente direito. Numa postura séria e com respeito pelo o outro, a companhia do Teatro Municipal de Almada apresenta uma das mais importantes obras de Brecht, a politica ditada nos pontos onde todos julgam que esta não lá está presente ou já disse tudo o que tinha a dizer. A luta por deixar que esta se dite.

de 6 de Janeiro a 31 de Janeiro de 2010
Qua a sáb às 21h30 / Dom às 16h00
contacto para venda de bilhetes e reservas bilheteira@ctalmada.pt

http://www.ctalmada.pt/

Encenação Joquim Benite - Tradução da peça e das letras das canções Yvette K. Centeno, Teresa Balté - Direcção musical Fernando Fontes - Voz e elocução Luís Madureira - Cenário Jean-Guy Lecat - Figurinos Sónia Benite e Ana Rita Fernandes - Desenho de luz José Carlos Nascimento - Assistente de encenação Rodrigo Francisco - Intérpretes Alberto Quaresma, André Albuquerque, Carlos Gonçalves, Carlos Santos, Celestino Silva, Daniel Fialho, Laura Barbeiro, Luzia Paramés, Manuel Mendonça, Marco Trindade, Marques d’Arede, Miguel Martins, Paulo Guerreiro, Paulo Matos, Pedro Walter, Sofia Correia, Teresa Gafeira, Teresa Mónica

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