quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Cinema: Ágora!




Para quem espera muita acção, carnificina em nome de Deus (com hipótese de escolha neste campo) ou até um romance épico, então Agora é o filme indicado.


Bem vindos a Alexandria, século quarto depois de Cristo, e quando se dá o inicio da narrativa do filme de Alejandro Amenábar, a religião Cristã tinha começado a sua existência em solo romano com a aprovação do imperador, para grande infelicidade dos pagãs que por lá habitavam, e mais tarde dos Judeus; a fé superior tem de se impor às fés inferiores, e caso haja resistência, se levante a espada, a forquilha, as pedras e se espezinhe quem não respeitar o respectivo Deus em questão.

Há vários pontos a apontar à superprodução espanhola (toda ela falada em inglês), ora, a precisão histórica, está muitas das vezes muito aquém do que é esperado, das reacções de certas personagens, a atitudes e pensamentos que simplesmente na altura (por volta de 391 depois de Cristo) não tinham qualquer sentido, que muitas das vezes agiam como se estivessem nos dias de hoje; as personagens principais, ao invés de possuírem as fortes características que as fazem assumir papeis de grande importância ao longo da narrativa, parecem sim, crianças a quem lhes deram um cargo e que não sabem muito bem lidar com a situação, isto é, do escravo que de escravo tem pouco, a Orestes que na sua suposta determinação (que mais parecem atitudes inconsequentes (seja na sua fase mais nova à sua fase 'mais madura') e de quem tem pouca consciência do que o rodeia). Hypatia, a filosofa (também astrónoma e matemática) de filosofa tem pouco, isto é, tirando os momentos iniciais da sua apresentação que muito ao género de 'wiki information' é apresentada como a intelectual, toda a sua restante forma de pensar roça o infantil e de pouco racional (quando esta personagem, historicamente fora conhecida pela sua enorme racionalidade e o valor que dava a mesma), por um lado, as conclusões que tira, a forma como a narrativa está construída, faz parecer que pouco ou nenhum tempo levou a pensar em tais problemas, ou melhor que não levou a pensar em como resolve-los, porque, repetindo-me a personagem parece uma criancinha que tem um problema e que simplesmente sabe que o tem e que não o sabe resolver, uma vez que esta quando consegue chegar a uma conclusão, não parece nem do estudo dos céus nem do estudo matemático mas sim uma pura epifania que poderia ter acontecido sobre outra assunto qualquer, uma vez que representa uma filosofa é um facto um pouco triste a forma como é retratada, uma vez que a abordagem ao pensar dado pelo filme é um género de 'intelectualidade for dummies'. Continuando a seguir Hypatia, não se percebe como acontecem certos saltos na história, como por exemplo como acaba esta com Orestes, alem de que alguns dos factos históricos (como a historia do lenço com a menstruação da mesma) são colocados em contextos diferentes dos conhecidos para poderem fazer funcionar todo aquele trio amoroso que não se percebe até que ponto significa algo, isto é, continuando na postura infantil de Hypatia que parece até por vezes demasiado tonta, principalmente politicamente, o que é quase contraditório, uma vez que apesar de Hypatia ter sido condenada por bruxaria (dado o seu enorme interesse nos céus e na matemática), a razão pela qual supostamente é morta é por interferir no desempenho politico de Orestes, mas a verdade é que o filme pouco transmite que esta tem qualquer interesse politico ou que tem qualquer impacto, quando as suas interacções com esse campo são quase como que devaneios pouco calculados, mais uma vez, como que uma criança que fala sem saber do que fala, mas sabe que tem certo ponto de vista, e no fundo, Hypatia, era uma filosofa.

Mas deixemos Hypatia de lado agora, tirando a pouca coerência das personagens e a pouca força que estas transmitem, ainda mais quando representam papeis tão relevantes e determinantes na historia, sobra-nos a acção e a narrativa épica, que logo desde cedo o filme apresenta as suas cartas mais importantes (e que se repetem, e repetem ao longo do filme): a critica moral e as colossais cenas de acção onde multidões determinam o estado de todo o cenário e narrativa. Ora por um lado, temos o retratar de batalhas que de entusiasmante tem pouco, de figurinos que simplesmente correm pelos cenários a abanarem se, ao forçar do clima épico que o filme desde os seus primeiros minutos afirma que quer alcançar. E que alcança, mas é um épico de pouco conteúdo, isto é, o conteúdo encontra-se em personagens pouco trabalhadas, uma espécie de mistura de intelectualidade para crianças e uma tentativa de emocionar a audiência. Por um lado, tenta emocionar quem assiste a Agora por um romance ainda menos trabalhado que as próprias personagens: os rumores em relação à verdadeira Hypatia são que esta pouco valor dava às relações carnais, apenas o intelecto merecia interesse, mas a personagem surge a ter uma relação com Orestes que pouco ou nada tem de obvio como acontece, ou seja, nem se percebe como esta acaba por relacionar com Orestes, e porque acaba esta com tal personagem uma vez que a relação destes é mais que estranha, talvez porque neste caso os escritores estivessem a respeitar o facto histórico de esta não dar valorà relação carnal, mas se o estavam, isso também não é perceptível no filme! ; pelo outro lado, o filme tenta emocionar a audiência, através do sermão moral que transmite muito ao de leve (mas através de cenas mais que explicitas) durante todo o filme, neste caso, os maus da fita eram os cristãos, os fundamentalistas, os que rara foi a vez que foram representados como devotos a Deus, pelo lado da oração, mas sempre pelo lado da violência da agressividade, fazendo assim das restantes culturas e religiões, e praticantes destas os 'coitadinhos'. Dizendo isto, não estou a dizer que nem que a historia se tenha passado de outra forma ou não, simplesmente que a perspectiva usada (como por exemplo os cristãos serem sempre vistos como uma matilha vestida de preto) é para fazer existir um personagem, ou grupo destas, que fossem a parte má, e depois existindo assim uma parte oprimida e sofredora com que a audiência pudesse sentir condescendência e identificação, e assim emocionarem se com o decorrer da historia: é na minha opinião, uma triste escolha ainda mais quando quase parece uma alusão à historia que ainda hoje se escreve, num orientalismo versus ocidentalismo, não dando qualquer oportunidade de perceber a perspectiva do lado dos 'maus' e fazendo determinante que existe um lado bom e outro mau (onde obrigatoriamente, os bons tem a razão), e que esse mau, fundamentalista, apenas tinha como objectivo a destruição de tudo e todos para conseguir o poder: a verdade, é que quando digo isto, não tenho em mente nem estar do lado nem de uma nem de outra 'equipa', mas sim uma vez que nos dias que correm, cada vez mais as perspectivas dos factos históricos recentes é cada vez mais quadrada, acho, repito, triste, o querer comparar algo tão vivo como é a historia do médio oriente de agora, com algo onde simplesmente as regras eram outras, e assim para concluir aponto a ultima falha deste grande épico de Alexandria, a visão moderna de todo filme, a pouca dedicação a aprofundar o pensar, os comportamentos e dia a dia alem de um ou outro pormenor standart e cliche no género, as personagens agindo e mostrando pensar tal e qual como se estivessem nos dias de hoje, o que resulta num ambiente fraco apesar do enorme potencial.

Uma produção que vale a pena assistir para quem quiser conhecer ao de leve a história de Hypatia, vale também a pena assistir se se quiser observar de perto multidões enfurecidas e determinadas a fazer sofrer qualquer outro que lhe apareça a frente sem qualquer coerência ou lógica alem de uma 'maldade fundamentalista', vale a pena assistir para poder ter por momentos, um toque do que fora Alexandria noutra altura, fora isso, o longo filme pouco tem a acrescentar, seja historicamente ou cinematograficamente, e é com pouca estima que fico depois de assistir a um filme, que desde a fotografia à banda sonora (neste caso Dario Marianelli num dos seus trabalhos com menos profundidade tanto a nível musical como emocional, limitando-se a criar uma espécie de ambiente, uma theme para se associar e nos contextualizar com o local), tudo material de enorme potencial e que resulta num trabalho medíocre que preenche os requisitos mínimos, sendo emocionalmente quase nulo a não ser para a audiência que queira descarregar na violência cega as culpas daquilo que pouco sentido tem, o que acaba por ser irónico, uma vez que a personagem principal fora condenada pelo seu amor ao pensar, Agora apresenta-se como apontando quem foram exactamente os culpados de toda a destruição fundamentando a cegueira fundamentalista como obvia, ao invés de o filme convidar quem assiste a esta película a pensar mais, a pensar o porquê e a pensar com Hypatia (ainda mais quando os assuntos em questão são tão delicados). Há pouca coisa pensada em Agora, e isso reflecte-se em ultima instancia, nas bilheteiras.

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